Embora o Brasil venda a imagem de celeiro do mundo, com grandes campos de soja corroendo o coração do cerrado e de outros biomas, grande parte da produção de alimento nacional vem de pequenos produtores.
O Censo rural realizado em 2017 apontou que pelo menos 77% dos estabelecimentos de produção de alimentos são familiares ou de produtores independentes. Ou seja, há uma produção massiva de artigos como carne, soja, milho e tantas outras monoculturas, mas a diversidade de alimentos que o nosso país apresenta é fruto do trabalho árduo dos homens e das mulheres do campo.
Essa é uma luta silenciosa e quase sem nenhum apoio governamental. Um trabalho de formiguinha que literalmente coloca a diversidade alimentar em nossas mesas. Na contramão do plantio massivo, a agricultura familiar nos fornece alimentos regionais, como legumes, frutas e também artigos de origem animal, como queijos, carnes, mel, embutidos e tantos outros produtos essenciais para uma alimentação diversificada e saudável.
Boa parte da população não sabe disso. Quando vamos ao supermercado, somos bombardeados por produtos industrializados, os chamados processados e ultraprocessados. Diante do marketing massivo e mentiroso que vende como saudáveis produtos criados em laboratório por grandes empresas, vemos nascer um fenômeno terrivelmente nocivo a nossa construção alimentar: o nutricionismo.
O termo foi criado pelo pesquisador Gyorgy Scrinis e se refere ao reducionismo nutricional, a ideia equivocada que os alimentos se resumem aos nutrientes informados no rótulo. A culinarista Rita Lobo possui uma ótima definição do termo:
“Nutricionismo é esse olhar com o foco restrito ao nutriente, muitas vezes ao nutriente único, ignorando a interação entre nutrientes, ignorando a qualidade do alimento em si e também a combinação entre alimentos que formam um padrão alimentar.”
E o que isso tem a ver com a agricultura familiar?
Em nosso dia a dia o principal objetivo da indústria alimentar é nos afastar da comida de verdade nos envenenando com produtos que não passam de compostos químicos sem vitalidade, feitos de conservantes, corantes, gordura, sal e açúcar.
Consumimos mais e mais “gororobas” chamativas, como suplementos alimentares de sabor artificial ou preparados congelados que tentam imitar a comida de verdade, assim nos enganando e nos distanciando do produto vindo do campo, cultivado com consciência, conhecimento e preocupação com o planeta. Estamos nos esquecendo do verdadeiro sabor da comida original, plantada para nutrir o corpo e que ainda promove sustento e igualdade social para milhares de famílias do campo.
Enquanto geramos lucro para empresas como Nestlé, Coca-Cola, Monsanto Unilever e tantas tantas outras, deixamos de alimentar e apoiar quem planta e entrega saúde em nossos pratos e que ao mesmo tempo que preserva o meio ambiente. Comer é o ato politico que praticamos diariamente, podemos fortalecer a maior indústria de agrotóxicos do mundo, a Monsanto ou podemos votar em apoiar o pequeno agricultor.
Estamos enchendo nossas geladeiras de coisas que nossos avós não reconheceriam como comida. Estamos esquecendo o sabor dos alimentos. Estamos abandonando a pureza das verduras frescas por qualquer coisa feita por uma indústria antiética, que escraviza pessoas, destrói florestas e sacrifica animais em escala colossal. Estamos consumindo coisas com sabor artificial de frutas e não frutas de verdade. Estamos dando aos nossos filhos alimentos encharcados de agrotóxicos ou pesticidas, quando bem perto de nós existe um verdadeiro banquete feito de frutas e legumes 100% orgânicos.
Para comer bem é preciso se informar
Antes de colocarmos qualquer alimento em nosso prato, precisamos saber mais sobre sua origem. A informação é o primeiro passo para uma alimentação rica de verdade. Se você não sabe o que come, irá comer qualquer porcaria que a indústria lhe venda como “saudável”.
A forma mais eficiente de quebrar esse ciclo de desinformação e má alimentação é buscar os produtores locais de sua região. Ao longo de todo o Brasil encontramos milhares de feiras, lojinhas do produtor e até mesmo sites onde são vendidos produtos verdadeiramente orgânicos. Eis alguns exemplos valorosos:
A FAE, Feira dos Agricultores Ecologistas, foi criada em Porto Alegre em 1989 e é considerada a maior da América Latina voltada ao comércio de alimentos orgânicos. Através do Instagram da feira é possível conhecer melhor os produtores e eventos de venda e divulgação da agricultura familiar na região da Grande Porto Alegre.
O projeto Mapas de Feiras Orgânicas permite buscar através do seu site centenas de feiras de norte a sul do Brasil. O catálogo de feirantes e produtores familiares é atualizado mensalmente.
O site Conexão Planeta oferece uma gama enorme de conteúdos sobre agricultura orgânica e familiar para quem deseja se informar mais sobre o tema.
O IDEC, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, possui um site repleto de informações de qualidade sobre o uso de agrotóxicos e projetos que visam promover a alimentação e o consumo consciente. Você pode assinar o boletim mensal e receber por e-mail as notícias do instituto.
A Volkmann alimentos, criada pela família de mesmo nome, produz desde 1983 alimentos orgânicos dentro dos princípios da biodinâmica. A produção de diferentes tipos de arroz na área rural de Capão Alto das Criúvas é reconhecida internacionalmente como um exemplo do bom uso da terra e dos recursos naturais da região.
O Movimento dos Sem Terra, MST, possui uma grande variedade de produtos orgânicos produzidos por famílias trabalhadoras do campo. Além da loja virtual e de cooperativas em Porto Alegre e Vitória, no Espírito Santo, o MST mantém o Armazém do Campo em Belo Horizonte. O espaço promove a venda de orgânicos e diversos projetos de redistribuição de renda para famílias campesinas.
Outra dica que pode ajudar você a abandonar os alimentos cheios de agrotóxicos por outros realmente mais saudáveis é pesquisar por produtores que sejam certificados pela SisOrg.
O Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (SisOrg), concede selos específicos para os alimentos produzidos dentro das normas orgânicas de cultivo, produção e distribuição. No site da SisOrg (https://ciorganicos.com.br/ ) é possível saber quais marcas e produtores são validados por esse certificado. Ovos, leite, queijos, verduras, frutas, legumes, hortaliças, grãos e uma grande variedade de alimentos já apresentam em suas embalagens ou em suas lojas e pontos de revenda o selo da instituição.
Mas é importante saber que nem todo produtor familiar possui essa certificação. O ideal é sempre conversar com quem vende esses alimentos nas feiras por todo o Brasil e aprender mais sobre o cultivo dos mesmos.
É preciso educar o olhar e o paladar
Outro ponto importante é a educação do paladar e dos nossos hábitos de compra. Alimentos orgânicos, produzidos localmente e de modo biodinâmico, são diferentes daqueles produzidos massivamente.
Não espere legumes enormes ou frutas gigantescas como se fossem de plástico. A natureza tem seu tempo e sua forma e quando vemos produtos naturais que parecem “perfeitos demais” estamos presenciando um tipo de produção turbinada por aditivos químicos venenosos.
Quase sempre as frutas e legumes orgânicos são menores, mas bem mais saborosos e com carga nutricional muito maior do que os gigantes que enchem os supermercados. Você certamente já experimentou essa diferença de sabor e aromas. Uma vez que provamos comida de verdade não queremos mais outro tipo de coisa em nossas mesas.
Os alimentos orgânicos e produzidos por mãos familiares também podem ser mais caros que os demais, mas aqui devemos aplicar uma regra simples. A procura é o que estimula a oferta. Sendo assim, quando mais gente comprar do pequeno produtor, maior será o incentivo dado a essas famílias. Com mais procura o preço tende a reduzir, sem, contudo, que caia a qualidade.
O segredo é estimular a agricultura familiar. Uma prática que irá fortalecer não apenas nossa saúde física, mas também o bem-estar social de quem realmente ajuda a fazer diferença. Faça diferente.
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