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Foto do escritorNara Guichon

Como iniciar um negócio sustentável de verdade: algumas dicas práticas



Aqui hoje escrevo sobre este assunto que cresce vertiginosamente em nossa sociedade ano a ano, mas preciso antes contar umas histórias:


Ainda na década de 1980, fui sócia no segundo restaurante vegetariano em Porto Alegre. O convite para participar na sociedade do restaurante Aroma só me foi dirigido porque as sócias sabiam de minha paixão e experiência na prática da culinária saudável.


O Aroma foi crescendo aos poucos e o lucro obtido era integralmente investido na expansão do negócio. Nesse contexto, todas concordamos que enquanto o restaurante não decolasse, não teríamos um salário formal, somente casa e alimento.


Nos tornamos precursoras no uso de frutas e verduras orgânicas, alimentos considerados raros na época. Queríamos dessa forma oferecer não somente refeições, mas também prover qualidade e veracidade em nossa oferta de alimentação equilibrada, saborosa e saudável.


O restaurante Aroma se tornou um marco na cidade e depois de dois anos e meio, decidi me dedicar exclusivamente ao mundo têxtil.


Posteriormente, depois de um bom período de estruturação, foi aberto o Ateliê Engenho Arte, posteriormente Nara Guichon Têxtil, na ilha de Florianópolis, em Santa Catarina.

Sempre estive envolta em lãs e tramas e esse sempre foi meu acolhedor ambiente por natureza. Fazendo uso basicamente de lãs fiadas, tingidas e tecidas por mim, passei a criar mantas, cobertores, tapetes, roupas e acessórios femininos. Essas peças vinham imbuídas não apenas do sentido utilitário, mas também do conceito atemporal e durável. Tudo isso sempre respeitando a natureza e o consumidor final.


Essa prática intuitiva traçou um caminho em meu trabalho no qual a qualidade está acima da quantidade, seguindo na contramão da cultura do consumo e do efêmero que condena tudo ao desuso imediato.


Isso exemplifica que a mola propulsora de minhas iniciativas sempre foi a paixão. Com paixão os sonhos se concretizam com leveza e os obstáculos são superados graças a esse entusiasmo primordial.


O desafio de um negócio sustentável

Em todos esses anos de postagens aqui no blog, sempre recebemos muitos acessos de pessoas interessadas em iniciar um negócio sustentável - ou ambientalmente ético como costumo chamar.


Esse setor da economia global vem ganhando considerável relevância nos últimos tempos, fazendo inclusive com que empresas convencionais abram divisões dedicadas ao desenvolvimento e inclusão de produtos verdes. Um exemplo que vale ser citado é o da UNILEVER, que comprou a empresa Mãe Terra, uma das precursoras no comércio de alimentação saudável no Brasil.


Essa gigante no mercado mundial é exemplo de empresa altamente poluidora que adequa seus serviços tão somente pela necessidade de vender a qualquer custo.

Mas se você realmente deseja atuar nessa área com dedicação e respeito, eis algumas dicas que poderão ajudar a iluminar o seu caminho.




Algumas peças do antigo ateliê Nara Guichon. Foto da autora.

Foque no que você conhece bem

Um negócio ecologicamente ético precisa ser administrado por alguém que conheça de fato o que é a ética ambiental. Não basta apenas oferecer embalagens recicladas, é preciso entender toda a cadeia de produção do que se pretende vender.


Conheça todos os elos de criação do seu produto. Saiba de onde vem sua matéria prima, quem são seus colaboradores e se esse material é realmente limpo desde sua origem. Um negócio realmente sustentável que possui em sua cadeia produtiva elementos poluentes, ou que desconsideram a igualdade social, não será de fato um negócio ético nem com o planeta, nem com as pessoas.

Conecte-se aos seus colaboradores

Lembre-se que por princípio temos que saber que esse será um “negócio coletivo". Um negócio sustentável de verdade não visa apenas o crescimento e lucro individual, mas promove uma cadeia econômica igualitária.


Será preciso contar com a colaboração de muitas mãos e mentes para que um projeto comercial desse porte se consolide.


O primeiro passo é conhecer seus colaboradores. Quem irá colaborar na manufatura dos produtos? No caso de alimentos e produtos orgânicos, quem são seus fornecedores? Você já foi até o campo conhecer, escutar sobre a história, o trabalho e as necessidades deles?


Se o seu negócio é na área artesanal, quem são seus auxiliares em potencial? Costureiras, marceneiros, administradores de ferros-velhos, agentes comunitários de reciclagem – liste todos os seres humanos que fazem parte do seu projeto e converse com eles, entenda suas necessidades, pesquise em projetos comunitários, associações de bairros, investigue em publicações do setor.


Sustentabilidade só é de verdade quando é bom para todos os envolvidos, gerando renda e dignidade de modo igualitário, sem ganância ou exploração da natureza.

Entenda seu público consumidor

Um negócio sustentável pratica preços justos sem tratar o consumidor como mero coadjuvante. Não há nada de errado em obter renda de modo justo e coerente, mas para isso você deverá compreender melhor quem serão seus clientes.


Quem comprará seus produtos ou serviços? São pessoas realmente preocupadas com o planeta ou você terá que compartilhar seu conhecimento sobre ética ambiental?

Perceba que muitas pessoas não conhecem a cadeia de desenvolvimento de produtos artesanais ou orgânicos. Por pura falta de informação acham que são produtos “imperfeitos” ou “fora do padrão”. Como comerciante você terá também que atuar um pouco como educador e propagador dessa nova ética de consumo.


Vivemos em uma sociedade capitalista e industrial na qual nem todos conhecem outro estilo de vida fora do consumo predatório uniformizado e mais devastador que qualquer ditadura que já existiu. Ou seja, o dono de um negócio sustentável deve ser também um formador de opinião e precisa de conhecimento e embasamento para atuar neste setor. Ele tem por obrigação informar as pessoas sobre os fatos.


Não trate o cliente como um mero comprador. Ouça suas dúvidas, compartilhe com ele o seu processo criativo. Conte a história de suas peças, de como você realiza seu trabalho. Se o cliente não entender o valor do que você faz ele não irá pagar um valor justo por seu produto.


Nos meus tempos de ateliê sempre me dispus a explicar aos clientes e visitantes a história contida em cada peça. Muitas pessoas saiam do ateliê encantadas e surpresas com as técnicas e a complexidade contida em cada peça.


Assim sendo, meus trabalhos e princípios foram levados por clientes de todo o mundo, disseminando pouco a pouco um modo de vida no qual foge-se do estimulo do consumo irresponsável.


Os "donos do mundo" usam-no como se fosse descartável, ofertando mercadorias de vida efêmera que se aniquilam em curto período de tempo, deixando pessoas endividadas e aniquilando ecossistemas inteiros em prol do capitalismo selvagem.



Detalhe da criação artesanal. Foto: Renata Gordo.

Entenda o ciclo de uso e descarte do seu produto

Mesmo um produto feito 100% de reciclagem deverá ser corretamente descartado ou reaproveitado no futuro.


No caso de peças artesanais, dê preferência ao uso de elementos duráveis e que possam ser usados por longo período de tempo. Além de evitar o descarte irresponsável, um produto mais durável agrega mais valor ao seu trabalho.

Priorize a qualidade acima da quantidade

Um negócio ecologicamente ético não produz em larga escala. Foque na qualidade, priorize a ética e dedique o tempo que caiba em sua rotina, sem afetar em sua qualidade de vida como um todo.


É fundamental compreender que com uma produção menor o seu produto atingirá o padrão de excelência que fará do seu negócio algo único e valorizado pelos clientes.

Como começar?

Com essas ideias em mente, eis a hora de colocar a mão na massa.

Defina seu ramo de atuação


O leque de atuação neste mercado é gigantesco. Pesquise e informe-se muito antes de se decidir. Mas acima de tudo, ouça seu coração, tempere tudo com paciência e uma boa dose de paixão.


As possibilidades são muitas: artesanato, produção de alimentos orgânicos, de cosméticos, produtos de limpeza, vestuário, acessórios, peças de design e decoração, cursos sobre o tema, agricultura pessoal ou familiar, turismo sustentável etc. Defina sua área de atuação e aprimore seus conhecimentos.


Lembre-se que esse mercado é feito de pequenos passos, produção reduzida e alta qualidade. Não tente abraçar o mundo.

Formalize seu trabalho


Mesmo que você atue de modo individual, com um negócio pequeno, informe-se sobre como é a formalização desse setor.


Pequenas lojas físicas ou virtuais devem ter CNPJ. Isso pode ser resolvido com a criação de um MEI (Microempreendedor Individual) através do site Portal do Empreendedor (https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/empreendedor).


Essa formalidade garantirá que sua pequena empresa possa emitir nota fiscal, ampliando sua área de atuação.


No caso dos produtores orgânicos, vale saber mais sobre as normas que conferem o selo nacional que atesta a qualidade dos produtos. No site do Ministério da Agricultura você poderá saber mais sobre a legislação que regula o setor.


Diversas empresas também agilizam esse processo, que pode ser um pouco oneroso, mas garante que seus produtos estejam de acordo com as normas legais.



Detalhe de peças criadas com a técnica de Ecoprint. Foto: Renata Gordo.

Divulgue seu trabalho


Usar as mídias digitais para se fazer visto é fundamental e até afirmaria que o bom uso destas ferramentas será imprescindível para que seu negócio venha a ser bem sucedido. Participe de grupos online e mostre ao mundo o seu trabalho. Esteja aberto às críticas e ouça o que os clientes em potencial têm a dizer.


Aprenda sempre


O universo dos produtos artesanais e orgânicos é imenso. Tenha em mente que um negócio de sucesso nessa área dependerá sempre de uma visão curiosa e atenta a novas práticas e caminhos criativos.


Se você é artesão, busque novas formações, aprenda novas técnicas e eleve seu trabalho a patamares cada vez maiores. O meu curso online de Ecoprint é uma sugestão para quem deseja aprender mais sobre impressão botânica e expandir seus horizontes. A internet está repleta de educadores e criadores sustentáveis dispostos a compartilhar suas técnicas.


Pense na distribuição


O seu negócio será físico ou enviará encomendas? No segundo caso, é preciso pensar em práticas que reduzam a produção de poluentes.


Uma boa solução é pensar em revendas locais, parcerias com outras lojas e distribuição híbrida (aquela que combina várias formas de entrega).


Muitas vezes, na sua própria cidade existem lojas que podem ser ótimas parcerias para sua revenda. Isso representa uma economia significativa com os custos de envio e ainda reduz a poluição causada pelas cadeias de distribuição rodoviária.


Em resumo


Iniciar um negócio sustentável no Brasil não é nada fácil, mas através dos desafios podemos traçar um caminho ético e justo.


cima de tudo temos que compreender que um negócio ecologicamente correto demandará um profundo conhecimento das práticas ambientais e ainda deverá promover uma relação social igualitária a todos os envolvidos.


O primeiro passo é começar. Arregaçar as mangas e colocar suas ideias em prática, sempre de maneira consciente, justa e em equilíbrio com o planeta.



 

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