Diante do caos no trânsito, níveis alarmantes de poluição ambiental e malefícios à saúde causados pelo sedentarismo, os transportes alternativos e ecologicamente sustentáveis estão cada vez mais populares. Apesar do Brasil ainda possuir uma baixa utilização, muitas pessoas já preferem utilizar bicicletas e outros modelos de transporte.
Uma pesquisa descobriu que apenas 4% da população brasileira usa bicicletas. O número não é maior apenas por falta de consciência ambiental, mas também pelo baixo investimento em estrutura, especialmente nas grandes cidades. Ainda faltam ciclovias para garantir ao ciclista segurança e conforto. Por outro lado, a malha de ciclovias no Brasil cresceu cerca de 133% em 4 anos, o que aponta para um maior interesse da população sobre o tema.
Estima-se que cada um dos brasileiros que usam bicicletas no lugar de carros para se locomover deixam de emitir deixam em torno de 4,4 kg de CO² por ano. Já quem deixa de usar ônibus para pedalar deixa de jogar na atmosfera nada menos que 41,9 kg da mesma substância (os dados são da LABMOB – Laboratório de Mobilidade Sustentável, da UFRJ). O ganho em saúde e qualidade de vida são grandes, sem contar que a bicicleta é um veículo 100% livre de emissão de CO².
Uma breve história das bicicletas
Ao contrário do que se pensa, a bicicleta não é uma invenção moderna. Há registros de modelos ancestrais deste meio de transporte na China de 2500 atrás.
No século XV, o inventor Leonardo Da Vinci é apontado como um dos precursores da criação da bicicleta tal qual conhecemos, mas essa teoria possui diversos críticos. Há quem diga que os desenhos atribuídos ao mestre italiano não são originais.
De toda forma, a ideia de um veículo movido por força humana sempre esteve presente em nosso imaginário. Em 1680 o alemão Stephan Farffler, projetou diversas cadeiras de rodas tracionadas por propulsão manual com a ajuda de manivelas. Décadas depois, em 1780, outro alemão, o conhecido Barão Karl von Drais tirou do papel a ideia de um brinquedo que se tornaria o modelo para as primeiras bicicletas.
Von Drais patenteou seu invento em 1818, mas a bicicleta foi vista como uma extravagância passageira pelos europeus. A ideia foi aperfeiçoada por diversos inventores, que criaram os primeiros modelos feitos de ferro – mais resistentes e velozes. Em 1862 a bicicleta já era febre em Paris e a prefeitura criou uma série de vias independentes para o trânsito dos ciclistas – nasceu assim a primeira ciclovia.
De lá para cá os modelos evoluíram e a bicicleta passou a ser considerada uma solução eficaz para os problemas de poluição ambiental, saúde física e mobilidade urbana.
Desenho de uma bicicleta ancestral atribuído a Da Vinci.
Protótipo do desenho de Da Vinci.
Uma das primeiras bicicletas.
Economia de tempo e dinheiro
Andar de bicicleta é muito econômico. Quando comparada com um carro, uma bicicleta de alta qualidade pode ser centenas de vezes mais barata. Sua manutenção também é bem mais simples e demanda muito menos uso de recursos naturais.
Um estudo revelou quem um ciclista economiza no mínimo 400 reais por mês, sem contar de ter bem mais tempo livre. Em média, quem anda de bicicleta economiza no mínimo 30 minutos a cada viagem. Nas cidades com boa estrutura de ciclovias, a economia de tempo é enorme, uma vez que algumas distâncias são mais fáceis de serem percorridas pedalando do que dirigindo.
É considerável pedalável trajetos de até 8 quilômetros, realizados entre as 6 e as 20 horas. Em teoria, toda cidade com mais de 100 mil habitantes deveria oferecer meios para que seus cidadãos pudessem percorrer essas distâncias sem o uso de veículos poluentes. Mas na realidade não é bem assim.
O mesmo estudo revelou um dado curioso: em uma cidade como São Paulo, 38% das viagens de ônibus poderiam ser feitas pedalando. Algo em torno de 3 milhões de viagens por dia. Quando falamos de carros, 43% dos trajetos poderiam ser feitos com praticidade sobre uma bicicleta.
Outro dado relevante da pesquisa é que andar de bicicleta representa uma enorme economia aos cofres públicos. Ainda citando São Paulo como exemplo, se todas as pessoas que trabalham em trajetos “pedaláveis” deixassem de usar carros ou ônibus, o município economizaria cerca de 600 milhões de reais em gastos com acidentes e manutenção do trânsito.
Esse dinheiro, se investido em ciclovias, dobraria a malha da cidade e estimularia ainda mais o uso de meios de transportes não poluentes, como bicicletas, patinetes e skates.
Protesto na Letônia mostra quanto espaço um carro ocupa quando comparado a uma bicicleta. Fonte: Eco Bike.
Ganhos para a saúde
Pedalar é também um excelente exercício cardiovascular, que estimula os músculos, melhora a coordenação motora, os reflexos e a capacidade respiratória.
Pesquisas da Universidade de Barcelona apontaram que o uso de bicicletas no transporte diário não apenas melhora a saúde física, mas também emocional. Uma análise com os moradores de diversas cidades europeias revelou que os usuários de bicicletas, e também outros meios de transporte alternativos, eram mais sociáveis, com menor propensão a problemas emocionais como ansiedade ou depressão.
O uso deste meio de transporte ainda oferece benefícios reais para as articulações, ajuda a controlar a pressão arterial, melhora a circulação e previne infartos e acidentes vasculares graves.
O uso de bicicletas também está diretamente ligado a perda de peso. Países com maior índice de uso de bikes possuem populações com menor sobrepeso. Como este é um hábito construído de modo social, pessoas que pedalam costumam fazer isso em parceria com outras pessoas, o que facilita a criação de laços sociais mais sólidos e estimula a vida em comunidade.
Mapa da incrível ciclovia que percorrerá 43 países da Europa. Fonte: Viagem e Turismo.
Maior mobilidade urbana
Numa ação contra o uso de veículos, um grupo de ativistas e designers da Letônia criou um modelo que mostra quanto espaço um veículo tradicional ocupa em relação a uma bicicleta. De acordo com o tipo, um carro pode ocupar o mesmo espaço que até 20 bicicletas.
Isso representa um alto impacto ambiental e maior caos nas cidades. Um dos maiores problemas atuais é o fato de que os consumidores são incentivados a comprar carros cada vez maiores, mesmo sem a necessidade disso.
Não é raro vermos no trânsito veículos enormes, com espaço para 5 ou até 8 pessoas, sendo ocupados apenas pelo motorista.
O problema de mobilidade é bem maior do que o engarrafamento, já tão comum nos grandes centros. Com a necessidade de ceder cada vez mais espaços para os carros, as cidades vão se transformando em grandes estacionamentos. Em regiões turísticas ou de interesse cultural e histórico isso é problema ainda maior, pois muitas cidades não tiveram o traçado original pensado para suportar tantos carros.
Viver em um ambiente repleto de carros não é só uma experiência visual ruim, mas emocional. O constante fluxo de carros e sua poluição sonora provocam diversos distúrbios nos seres humanos, especialmente estresse e esgotamento mental.
Com cada vez mais automóveis, as cidades se tornam cada vez mais lentas. Qualquer deslocamento simples se transforma num grande problema diante da falta de fluxo, de local para estacionar e de agilidade. Essa questão pode ser resolvida com sucesso criando-se rotas abertas e vias especiais para ciclistas, como é o caso das cidades de Amsterdã, Londres e Bruxelas.
Ciclovia na Holanda. Fonte: Euro Site.
Uma mudança de visão
Recentemente um caso chamou a atenção. A justiça francesa condenou o Estado a pagar indenização a uma mãe e filha com problemas respiratórios graves causados pela poluição do ar de Paris. A decisão, inédita no país, abre margem para o debate: até quanto os governos deixarão a questão da poluição do ar em segundo plano.
Paris é um exemplo de cidade com boa estrutura para o uso de bicicletas, mas que ainda assim sofre com o trânsito e a poluição massiva do ar. Na China os carros são os grandes responsáveis pelo alto nível de contaminação ambiental. Em 2017 a poluição atmosférica em algumas cidades chinesas chegou ao chocante número de 212 microgramas por metro cúbico. A OMS recomenda níveis de no máximo 25 microgramas por metro cúbico. O ar em algumas regiões da China é tão tóxico quanto fumar 30 cigarros por dia.
As cidades chinesas e a capital da França possuem algo em comum, além da péssima qualidade do ar. São lugares onde as bicicletas são muito tradicionais. Então, por que esses países sofrem com níveis tão alarmantes de poluição?
Essa é uma questão que passa por um viés cultural e político. Mesmo em lugares com ótimas ciclovias, o carro ainda é um objeto desejado. As políticas ambientais não conseguem ser mais fortes que o estímulo ao consumo.
Em muitos países, ter um automóvel é sinônimo de status, mesmo que você não precise realmente de um.
Desta forma, não basta apenas construir mais ciclovias e pedir aos moradores que usem mais bicicletas – é preciso uma mudança de mentalidade. Criar uma concepção de vida social menos baseada no consumo e mais focada no bem coletivo. Enquanto o consumismo é egoísta e irresponsável, o ritmo de vida consciente é centrado na qualidade, no bem-estar e na simplicidade.
Dentro deste panorama, andar de bicicleta, usar menos veículos poluentes e estimular o bom convívio social fazem parte de um mesmo propósito: fazer do nosso mundo um lugar melhor e mais justo, com mais saúde e responsabilidade ecológica.
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