Beleza, harmonia e generosidade. É fácil perceber esses encantos que temos à nossa disposição, maravilhas corriqueiras que habitam as cidades, os campos, prados e florestas. Estou falando das árvores.
Uma coisa é inegável: quem em sua memória não tem a lembrança de árvores que lhe marcaram? Seja dos ipês floridos ou do famoso pé de goiaba que tantas crianças, pelo menos na minha geração, brincavam de subir. Pegar fruta no pé, descansar na relva regozijando-se em aromas inebriantes sob a sombra de uma alameda, observar as abelhas ao redor de um cacho de flor, ouvindo o zum-zum dessas incansáveis trabalhadoras.
Essas memórias verdes hoje andam esquecidas, abandonadas por uma vida industrial e tecnológica que nos afasta do verdadeiro prazer que o contato com a natureza pode nos proporcionar.
Levarei para sempre comigo a imagem da quaresmeira de copa, com seu tom único de rosa que durante anos floresceu em uma calçada qualquer na praia da Armação, em Florianópolis. Transitando de ônibus pela rua para a qual ela emprestava sua beleza, eu já me alegrava com antecedência por saber que iria vê-la ao dobrar a esquina.
Essa árvore já se foi, não está mais lá. Quaresmeiras não são tão longevas como ipês, canelas ou o pau-brasil. Sua beleza precisa ser apreciada enquanto elas ainda estão na paisagem.
Também guardo em minha lembrança tantas outras árvores especiais. Nunca esquecerei e sonho em poder retornar a ver uma alameda de árvores portentosas, em plena inflorescência, fechando-se como um túnel de frescor, que certa vez cruzei numa grande avenida em Buenos Aires. Um dia voltarei lá, para reviver essa sensação sem nome que se dá quando nos achamos num lugar tão mágico.
De porto alegre, cidade na qual vivi por cerca de vinte anos, os jacarandás estão em minha memória permanentemente e mesmo distante de lá ainda sei que quando a primavera chegar eles desabrocharão. Arvores que florescem entre outubro e novembro, cobrindo ruas inteiras com suas flores lilases formando macios e aromáticos tapetes pelas calçadas e ruas de toda a cidade.
Mas estou aqui para falar da importância da arborização urbana e comentar dados que podem colaborar para a diversidade, conforto ambiental, valorização de nossa flora, enriquecimento da biodiversidade e tantas outras nuances sobre tão nobre tema.
Cada espécie tem o seu lugar
Além de mais bonita e agradável de viver, uma cidade repleta de árvores irá sempre apresentar um clima mais saudável, com melhor dispersão do calor e maior retenção de gases nocivos a nossa saúde. Árvores são como enormes filtros, coletando o gás carbônico e liberando oxigênio, estimulando a vida ao redor e nos garantindo repouso e uma pausa de tranquilidade.
Mas o que precisamos saber é que cada região possui o seu bioma, uma sintonia fina feita de qualidade climáticas, propriedades do solo e da interação dessas espécies botânicas entre si. E não só isso, temos que considerar que cada cidade, especialmente num país continental como o Brasil, tem um perfil populacional diferente.
Em outras palavras: árvores não são plantas decorativas. Elas interagem entre si e também conosco. Podem nos causar bem-estar ou problemas de saúde – no caso das plantas tóxicas. Podem ser atrativas para espécies de pássaros, borboletas e abelhas, ou perigosas para esses animais e insetos. Podem promover abundância, frutos, frescor, ou iniciar a deterioração da paisagem viva.
O que vemos em muitas cidades brasileiras é a chamada arborização decorativa ou paliativa. As ruas são tomadas por árvores que não fazem parte daquele bioma. E como as regras da natureza são rígidas e invioláveis, o resultado são cidades verdes, mas com sérios problemas ambientais.
Um bom exemplo é o que acontece no Sul do Brasil. Segundo o site Educa Mundo, só o estado de Santa Catarina possui cerca de 20% de todas as espécies exóticas do Brasil.
São pelo menos 90 espécies exóticas com alto impacto dentro da paisagem natural, tanto dentro das cidades quanto em áreas de mata preservada.
A principal dessas espécies invasoras do Sul do país é o pinheiro americano, que é catalogado por biólogos como uma espécie botânica invasora agressiva. Por crescer rapidamente, ela é muito usada em projetos de arborização pouco coerentes. O problema é que o pinheiro se torna em pouco tempo a espécie dominante de um lugar, impedindo o nascimento de outras plantas. Como é uma árvore de grande porte, ela consome toda a água do solo em que se encontra, matando a vegetação adjacente.
Esse problema já acontece em Florianópolis há alguns anos. Em diferentes regiões da cidade, o pinheiro americano se tornou uma verdadeira praga, impedindo o crescimento de qualquer outra espécie. Os milhares de pinheiros espalhados por Florianópolis são furto de um plano desastroso de arborização iniciado nos anos 1960, na tentativa de impedir o avanço das dunas. Atualmente uma lei municipal visa impedir o plantio de novos pinheiros, mas a questão é que o dano ambiental já está feito.
Esse é um problema nacional. Diversos estudos apontam que em várias cidades brasileiras os planos de arborização não contemplam espécies nativas. O portal Genoma Ambiental conta pelo menos 365 espécies exóticas invasoras. O mesmo estudo aponta que plantas exóticas estão invadindo o Cerrado brasileiro e alterando o equilíbrio da vida neste bioma já tão castigado pela imprudência humana.
E aqui é importante diferenciar os termos. Nem toda espécie botânica exótica (vinda de outro bioma, muitas vezes de outros países) é uma planta invasora. Algumas se adaptam ao nosso clima e condições e não ameaçam as demais espécies. Outras são consideradas exóticas e invasoras, pois se espalham pela paisagem natural causando um enorme impacto ambiental.
Em muitos lugares o que é levado em conta é a ornamentação e não a manutenção de biomas que dependem de certas espécies para a propagação da vida. Não podemos nos esquecer que vivemos no país com a maior diversidade biológica do mundo. Só no Brasil temos mais de 8 mil espécies arbóreas nativas, não faz sentido encher nossas ruas e parques com árvores que não são parte de nosso bioma.
Cada árvore representa um mundo em miniatura. Elas são o suporte para inúmeras formas de vida e quando mudamos a dinâmica natural de uma região, estamos iniciando um processo gradual de desequilíbrio em todas as cadeias. Muitas dessas árvores exóticas não servem como alimento para pássaros ou não colaboram com o processo de polinização das abelhas. Isso se reflete numa redução do cultivo de pomares e outros víveres para a subsistência humana. Perde a natureza e perdemos todos nós.
Precisamos cobrar as autoridades locais e federais para um maior rigor nos planos de arborização de nossas cidades. Se as espécies exóticas só podem se estabelecer com a intervenção humana, caberá a nós reverter esse quadro em prol de uma paisagem não apenas mais verde, mas mais viva, coerente e equilibrada.
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