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  • Foto do escritorNara Guichon

Pelo fim da fast fashion: como podemos mudar nossa relação com o consumo de roupas

Atualizado: 15 de out. de 2021




Atuei na área de moda sustentável e ética por décadas. Durante esses anos, acompanhei as mudanças do setor e obtive conhecimento e consciência, tanto sobre a indústria da moda convencional, quanto na relação direta ao consumidor final de meu produto. Produto este artesanal, ético de pequena produção, mas com qualidade indubitável.


Minha caminhada foi, bem dizendo, solo e sem a valiosa presença das mídias sociais. O boca a boca sempre funcionou e foi o suficiente.


Agora me parece mais claro que a indústria da moda foi conquistando espaços proporcionalmente ao fato de sua perda de qualidade. Um crescimento competitivo, maléfico e destrutivo, no qual o que importa é o lucro e somente ele. Essa indústria, a segunda mais poluidora do planeta, necessita de mudanças emergenciais, e nós, cidadãos comuns, podemos colaborar com afinco em busca de soluções práticas, atitudes que venham a fomentar soluções verdadeiras.


Sugiro aqui algumas reflexões que se transformadas em práticas, gerarão não somente mudanças neste setor, mas refletirão em todo o planeta, levando ao empoderamento de indivíduos “escravizados” por uma falsa ilusão de poder.



A importância do que vestimos


Você já parou para pensar em quantas vezes usou uma camisa? Quantas vezes usará uma calça, saia ou vestido? Ou ainda, quão duráveis são suas peças de roupa?


Essas são perguntas fundamentais que deveriam ser feitas por todas as pessoas no momento em que decidem que é hora de comprar uma nova peça, mas infelizmente esse questionamento não é mais parte da rotina de muitos de nós.


A ideia de que roupa não precisa ser durável, mas sim “da moda” é um dos conceitos mais perniciosos e destrutivos do capitalismo atual. Isso não apenas alimenta o consumo desenfreado, como também estimula uma indústria gigantesca que consome uma infinidade de recursos naturais e humanos em prol da nova tendência das passarelas e do descarte fácil.


Estamos falando da “fast fashion”, uma tendência de moda rápida, pouco durável, descartável, altamente poluente e que ainda ignora a dignidade humana ao usar mão de obra em regime de trabalho análogo ao da escravidão.


Nela, os produtos possuem baixíssima qualidade, mas são vendidos como tendência, ou como “produtos da moda” e quase sempre a preços baixos – o que produz no consumidor uma falsa sensação de pertencimento e poder. E como a moda muda a todo tempo, você se sente obrigado a trocar de guarda-roupas a cada estação.




Detalhe do meu trabalho com Ecoprint (impressão botânica). Foto: Renata Gordo.


Roupas devem ser feitas para durar


Se uma peça de roupa dura apenas uma estação há algo de errado.


Temos uma ideia equivocada de que os tecidos são frágeis e facilmente descartáveis, mas quando olhamos para a história das fibras têxteis o papel das vestimentas dentro da sociedade humana sempre foi o de proteger e durar. Ao unir diferentes fibras em torno de um fio, criamos assim um elemento que combina flexibilidade e resistência.


Alguns dos tecidos mais antigos do mundo encontrados na Europa Oriental são possuem pelo menos 30 mil anos e ainda exibem suas fibras relativamente intactas.


Diversos artefatos têxteis da cultura Chancay, que habitou a região do Peru há mais de dois mil anos, encontram-se em exposição em diferentes coleções e guardam até hoje cores vivas e sem nenhum rasgo.




Peça em tecido da cultura Chancay datada de mais de 2000 mil anos. Fonte: Wikipédia.


Ou seja, quando uma peça de tecido se desfaz com pouco uso é sinal de que ela foi feita sem compromisso com suas funções essenciais: vestir, proteger, acolher e durar.


Isso significa também que parte da cadeia econômica que permite que aquela roupa chegue até você está corrompida. Em alguma parte do globo alguém ganhou muito pouco ou algum ecossistema foi violentado para que você pudesse usar as peças da estação. E isso tem que acabar.


Precisamos mudar nossa relação com as roupas


Alguém certa vez disse que as roupas são a embalagem para o mais precioso bem que temos: nosso corpo. Não faz sentido colocar sobre a pele um elemento criado de modo desrespeitoso, antiético ou destrutivo que move as massas através de um marketing enganoso.


Eis o momento em que devemos novamente voltar nossa atenção para a importância do costurar, remendar, reusar e criar. Essas atitudes são transformadoras quando realizadas com consciência. Seus resultados são infinitamente gratificantes.


Fibras são flexíveis. Ao contrário do couro cru e outros elementos que cobriram as peles de nossos antepassados, o tecido molda-se ao corpo, evitando os atritos. Essa flexibilidade pode ser completa, como é o caso da seda, ou parcial, como é o caso do jeans.


O que importa saber é que essa característica permite que a fibra se rompa e que também possa ser refeita. Ou seja, é absolutamente normal que uma roupa, depois de um bom tempo de uso, apresente pequenos desgastes. Isso não invalida a roupa inteira. Um pequeno furo representa apenas um detalhe que pode ser contornado com criatividade e dedicação. Nele podemos empregar memórias afetivas e usar parte do conhecimento transmitido por nossos avós e nossa família.


Não jogue suas roupas fora. Não compre roupas pensando em joga-las fora. Se possível, invista um pouco mais em peças duráveis, que irão lhe acompanhar por toda a vida.


Remendar era um hábito dos nossos avós. Na Europa, durante e logo após as duas Guerras Mundiais, difundiu-se amplamente o costume de costurar e recosturar tudo, prolongando a vida das peças. E o que não podia mais ser costurado passava então para uma segunda utilidade.


O desperdício e o abandono de roupas consideradas velhas ou fora de moda é uma invenção recente, que nasceu com a explosão dos tecidos sintéticos no pós-guerra e a americanização do consumo global.


Camisas viravam forros para casacos, calças de brim eram cortadas para forrar palmilhas de sapatos e por aí vai. Atitudes assim refletem diretamente e de modo positivo na economia. Ao consertar uma roupa estamos empregando nosso tempo e criatividade em busca de soluções eficientes, sem gasto desnecessário de dinheiro nem alimentando mecanismos antiéticos de consumo.



5 dicas para fugir da fast fashion:

1 - Adquira peças preferencialmente de pequenos criadores. Vestimentas feitas manualmente ou em processos analógicos não-industriais tendem a ter maior qualidade, durabilidade e autenticidade.


2 - Certifique-se que a matéria-prima de suas roupas é o mais ecologicamente correta possível. Evite veementemente tecidos a base de petróleo, como poliéster e afins. No caso do algodão e lã e seda, informe-se sobre os processos de desenvolvimento. Nem todo tecido natural é sustentável e respeitoso com o meio ambiente.


3 - Tenha um(a) costureiro(a) de confiança. Nossas avós, quando não costuravam elas mesmas as peças, tinham sempre um contato na vizinhança de um costureiro ou costureira com o qual se podia contar na hora em que um rasgo aparecia na meia. Valorize esses profissionais, hoje quase esquecidos, e renove suas peças através dos bons e velhos remendos.


4 - Siga seu estilo pessoal. Ele é único, fala por si só, é sobre você. Cada um tem o seu jeito de vestir, sua personalidade e gostos. A moda é apenas uma ideia do consumismo para manter pessoas do mundo inteiro num fluxo de gasto desenfreado. Use apenas o que lhe faz bem e o que respeita o entorno.


5 - Aprenda a criar o que vestir. Nem todo mundo tem o talento para fazer suas roupas por completo, mas todos podemos aprender um ou outro truque para criar peças únicas e pessoais. Um colar, um xale, um gorro ou quem sabe a personalização de uma peça já meio sem graça através do Ecoprint? Usar uma peça feita por suas mãos é uma experiência especial.


Gosto muito de manter vivas as palavras de Mahatma Gandhi:


“Não existe beleza nas mais finas roupas se estas forem produzidas baseadas na exploração de outros seres.”


Roupas éticas


Algumas marcas brasileiras de slow fashion, com abordagem ética da criação de roupas e acessórios:




 

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