“Tudo, em todos os lugares, ao mesmo tempo” foi a frase utilizada por António Guterres, secretário-geral da ONU, em referência ao filme vencedor do Oscar deste ano, para descrever a necessidade da ação climática imediata em todas as frentes.
Guterres se pronunciava diante do relatório síntese sobre mudança climática, divulgado no dia 20 (vinte) de março pelo IPCC, Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas da ONU, que trata do seu atual ciclo de avaliações sobre o aquecimento global. O IPCC traz uma mensagem dura e um alerta a todos sobre os impactos causados pela mudança do clima e a necessidade de adoção de medidas mais concretas e efetivas para se evitar um iminente colapso climático.
Você deve estar se perguntando: “será que ainda há esperança?”. O relatório indica que sim e traça um caminho claro a ser seguido.
Segundo o IPCC, para que as temperaturas médias se mantenham em 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais, conforme a meta estabelecida no Acordo de Paris, será necessário que as emissões de gases de efeito estufa caiam imediatamente. Em termos mais concretos, as emissões deverão ser reduzidas pela metade até 2030 para que a meta tenha alguma chance de ser alcançada.
O tempo é curto. Com poucos anos faltando até lá, o IPCC chama a atenção sobre os desastres naturais relacionados ao clima, que poderão continuar atingindo o planeta e, principalmente, as populações mais vulneráveis e de baixa renda, menos preparadas para lidar com calamidades.
Esta realidade está mais próxima do que gostaríamos. Desde fevereiro de 2022, as chuvas que devastaram Petrópolis e causaram a morte de mais de cem pessoas, desabrigando milhares, continuam ecoando na memória dos brasileiros. Ainda mais recentemente, o litoral norte de São Paulo foi também atingido por temporais que assolaram a região. Será necessário percorrer um longo caminho para que os locais atingidos se reconstruam após os danos causados.
Para reduzir as emissões, mudanças nos setores de eletricidade, construção, uso do solo, transporte e alimentos são indicadas como exemplo no Relatório. O estilo de vida das pessoas também precisa ser revisto para seguir um caminho mais sustentável e, cada vez mais, de baixo carbono.
Investidas neste propósito, diversas startups brasileiras têm se empenhado na luta climática para contribuir com o atingimento da meta global. As chamadas “startups verdes”, “greentechs”, “climatechs” e “cleantechs” têm ganhado espaço no mercado brasileiro. São empresas inovadoras que buscam promover a sustentabilidade, por meio de ações que otimizam o uso dos recursos naturais e geram impacto socioambiental positivo. Elas são alinhadas aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU em 2015, os quais reúnem os maiores desafios da humanidade.
Com sua biodiversidade e desenvolvimento do agronegócio, o Brasil possui bastante potencial nesse mercado global. Há previsão de que tal mercado movimente R$247 bilhões até 2026, conforme dados de relatório divulgado pela Allied Market Research em 2021.
Algumas destas startups se destacam por suas soluções criativas, tecnológicas e, acima de tudo, por visarem o bem comum. Conhecê-las é algo que considero relevante, seja para apoiarmos ideias positivas e quem as promove, seja para revermos nossos próprios hábitos de consumo.
A empresa Food to Save é um bom exemplo. Atuam no combate ao desperdício de alimentos, em um país que desperdiça 30% de toda a comida produzida e que o coloca na lista dos 10 países que mais desperdiçam alimentos no planeta. Poucos imaginam, mas o desperdício de alimentos é o terceiro maior emissor de gás carbônico no mundo.
Por meio do aplicativo que desenvolveram, o estabelecimento seleciona os itens excedentes para montar a chamada “Sacola Surpresa” e a oferece na plataforma, com até 70% de desconto. O consumidor escolhe a Sacola Surpresa, que vem nas opções Doce, Salgada ou Mista e opta por receber o pedido via delivery ou retirá-la no próprio estabelecimento no qual fez a compra.
(Imagem extraída do site https://www.foodtosave.com.br/, acesso em 24.03.2023)
Até o momento, a Food to Save já salvou mais de mil toneladas de alimentos que seriam descartados. Eles contam com pelo menos dois mil estabelecimentos parceiros, entre restaurantes, padarias, cafeterias, confeitarias e hortifrutis. Mais de 2500 toneladas de CO2 deixaram de ser emitidas como resultado dos esforços da startup, que hoje atua no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Ainda contra o desperdício, a startup Diferente busca fornecer frutas, legumes e verduras orgânicos. Mas ao contrário do mercado comum, a Diferente oferece os alimentos que seriam descartados por não atenderem ao padrão estético de consumo, embora em ótimo estado. O objetivo da empresa é claro: democratizar a alimentação saudável e orgânica, enquanto combatem o desperdício de alimentos no Brasil. O consumidor, ao realizar uma assinatura, passa a receber uma cesta, semanal ou quinzenal, com os alimentos escolhidos conforme sua sazonalidade, em um valor até 40% mais barato comparado com mercados tradicionais. Além de garantir que não há o uso de agrotóxicos nos vegetais, gerando menos impacto ambiental, a Diferente apoia a agricultura familiar ao comprar seus produtos, também investindo no lado social.
(Imagem extraída do site https://www.mercadodiferente.com.br/, acesso em 24.03.2023)
No setor de resíduos, uma empresa que se destaca é a Solos. Fundada em 2016 por duas sócias baianas, Saville Alves e Gabriela Tiemy, o foco da startup é o desenvolvimento de ações para a destinação correta de orgânicos e de materiais recicláveis. O modelo de negócio conta com a realização de projetos que permitem a análise da geração de resíduos de eventos, empresas, escritórios, escolas, condomínios e casas, com o objetivo de desenvolver uma solução de impacto adequada e personalizada.
A startup atua no carnaval de Salvador desde 2020, com um projeto desenhado para aumentar o volume de embalagens retiradas das ruas e garantir a inclusão de catadores autônomos e cooperativas de reciclagem. Em 2020 conseguiram coletar 162 toneladas de embalagem na festividade, o dobro de embalagens do ano anterior, além de conseguirem coletar o plástico pela primeira vez no carnaval. Em 2023, a Solos ampliou a sua atuação, espalhando oito centrais de reciclagem pelos circuitos da festa e se preocupando com a segurança e bem estar dos catadores. Houve o fornecimento de EPI’s para proteção, além da instalação de Centros de Convivência, que garantiram áreas de alimentação, descanso e banho.
Ainda na área de resíduos, a Marulho também merece menção. Fundada por oceanógrafos com a mesma inspiração em redes de pesca que vocês já conhecem por aqui, a startup atua em comunidades de Ilha Grande/RJ, recuperando esses materiais, que são transformados à mão em novos produtos. Além de evitar que as redes sejam descartadas no mar ou praias, a elaboração dos produtos preserva o conhecimento tradicional dos pescadores e redeiros da região. Até o ano passado, a startup foi responsável por destinar mais de 1 tonelada e meia de redes de pesca, além de gerarem R$130 mil de renda aos membros da comunidade e comercializarem mais de 16.000 produtos feitos com redes de pesca.
(Imagem extraída do site https://fazermarulho.com.br/, acesso em 24.03.2023)
Nos últimos anos também tem sido crescente o número de empresas que passaram a comercializar créditos de carbono no Brasil àqueles que querem compensar as suas emissões. Por outro lado, os projetos de conservação de florestas em pé, que são os que geram mais recursos neste meio, ainda são pouco acessíveis às pequenas empresas. São projetos que demandam áreas de mais de 10.000 hectares para execução, a fim de que sejam economicamente viáveis, dados os altos custos para certificação do projeto e emissão dos créditos de carbono.
Pensando nisso, a startup Agroforestry Carbon permite que pequenas empresas contribuam com o plantio de árvores em sistemas agroflorestais. Esses sistemas permitem a recuperação de áreas degradadas, possibilitando novos plantios e o cultivo de alimentos livres de químicos, venenos ou agrotóxicos. Ainda há a recuperação de mananciais hídricos e o aumento de biodiversidade de fauna e flora. Tão importante quanto, geram um impacto social, levando renda a pequenos produtores que não teriam a oportunidade de trabalhar com a compensação de créditos de carbono, e evitando que estes explorem suas terras apenas como pastos.
(Imagem extraída do site https://agroforestrycarbon.com.br/por-que-compensar-emissoes-de-co2-em-agrofloresta/, acesso em 24.03.2023)
Propondo uma atividade inovadora, a AMA (Agentes do Meio Ambiente) nasceu no Paraná e conta com Florianópolis como a primeira capital a utilizar a plataforma desenvolvida por eles. A startup promove sustentabilidade e empreendedorismo, disponibilizando serviços dos chamados “zeladores”, que se cadastram na plataforma para executar varrição de ruas, capina, limpeza de bocas de lobo, atividades de educação ambiental para conscientização de moradores e realização de reportes de melhorias para a região. Em Florianópolis, até agora já foram executados mais de 60 mil serviços, que complementam as atividades da Prefeitura de limpeza urbana.
Além de gerarem impactos ambientais positivos, a empresa contrata os zeladores como microempreendedores individuais, pagando um valor mensal pelos serviços e contribuindo para a geração de renda. A AMA também conta com uma rede social com mais de 4.000 usuários, na qual é possível realizar uma série de ações propostas. Estas ações poderão ser convertidas em prêmios e cashbacks, a serem utilizados em pequenos negócios locais cadastrados, de modo a fomentar a economia circular. Agem localmente, pensando globalmente.
Por fim, não poderia deixar de mencionar a Positiv.a. A empresa foi fundada em 2016, com o compromisso de trazer alternativas aos produtos convencionais de limpeza e de autocuidado. Criam produtos multifuncionais, promovendo uma verdadeira mudança nos consumidores, que não precisam mais comprar mil produtos para limpeza, nem se preocupar com todo o plástico gerado a cada troca de escova de dente utilizada.
Todos os produtos são feitos de matérias-primas naturais, de fontes renováveis, são veganos e livres de crueldade. As embalagens são pensadas de forma ecológica desde a sua criação, como fomento à uma economia circular. Além de venderem a bucha ecológica que preparamos com todo o cuidado por aqui, fazem entregas com carros elétricos, diminuindo a emissão de CO2. A startup é definitivamente um dos negócios ecológicos que, na minha percepção, mais gera impacto positivo no Brasil e que definitivamente merece a sua atenção.
Além desses exemplos, muitas outras startups verdes espalham sua sementinha por aí. Elas nos mostram que é possível fazer escolhas mais sustentáveis, ainda que com pequenas mudanças. A mensagem do IPCC deve ecoar entre nós. “Tudo, em todos os lugares, ao mesmo tempo”. Que tenhamos consciência sobre o impacto que causamos e nos juntemos cada dia mais ao combate à crise climática. Que tal começarmos apoiando aqueles que já estão nesta luta?
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