É comum que todo artista, artesão ou designer ouça essa pergunta: como começa o seu processo de criação? Ou ainda: como você criou esta ou aquela obra? Essas são questões sem uma resposta simples.
Não existe uma chave lógica das regras que regem a inspiração.
Durante minha jornada têxtil as criações sempre estiveram imbuídas de arte. O impulso criativo que move o artista é sempre o mesmo e os limites que separavam o artesanato, o design e as chamadas “belas artes” já foi desfeito há muito tempo. Transitar entre diversas linguagens e formatos foi algo que sempre brotou em mim espontaneamente.
Quanto mais aberta ao mundo e livre de padrões técnicos sou, mais fluído e intuitivo o meu trabalho criativo é.
Peça: Arquipélago. Composição: redes de pesca de poliamida. Ano: 2019. Medidas: peça tridimensional com largura variável entre 40 e 70cm. Comprimento: 5.5m.
A atual forma de criação que expresso é um grito de socorro: o que fazer com o lixo do planeta, ou com o que denominamos lixo? A ideia é atrair a atenção do espectador para a quantidade de detritos que descartamos de modo imprudente e impensado. Por isso as obras são volumosas, grandes.
Essa volumetria é uma tentativa de representação do tamanho do impacto que causamos, mas também tem a ver com o tamanho da nossa capacidade de ressignificar os elementos em nosso entorno.
A necessidade de criar algo para além de peças utilitárias surgiu através da percepção de que por todos os lados vemos descartes. Rejeitos que enchem e sufocam os oceanos, matando a vida marinha, cobrindo aterros, desfigurando a paisagem. Minhas criações são uma síntese dessa visão.
Detalhe das fibras de redes de pesca reutilizadas.
Essas peças representam também as geografias marítimas, um universo composto de vida e força e para o qual não estamos dando o devido valor. O descarte de detritos no mar é um problema ainda mais silencioso e invisível, uma vez que poucas pessoas percebem o lixo nos oceanos da mesma forma que os rejeitos descartados em terra.
Vim morar próximo ao mar, pois o amo. Dele retiro o motivo para me expressar e para mostrar ao mundo a urgência e a importância de preservar desse bem universal. Me inspiro nele para criarmos assim, eu e o mar, uma nova geografia emocional e simbólica, de cura e renascimento, mas também de alerta e de conscientização.
Técnicas entrelaçadas
Para essas criações emprego a técnica do tricô, nós, tintura natural e oxidação das redes de pesca. O processo é espontâneo, assim sendo, as gamas de cores advindas sempre surpreendem.
Na execução dos formatos tubulares, superfícies planas ou volumetrias inesperadas, surgem modelos orgânicos nos quais não existe repetição. As obras vão nascendo na medida em que vou criando soluções de acordo com as necessidades. Para transmitir esses gritos de socorro é preciso dedicação.
O tempo médio para execução de uma peça de cerca de cinco metros de comprimento pode chegar a três meses. Tudo depende da percepção se a obra precisa ou não de mais interferências.
Peça: Corais II. Composição: redes de pesca reutilizadas de diversas gramaturas, tingidas e oxidadas naturalmente. Ano: 2020. Medidas: aproximadamente 3m x 60cm.
Todo criador preza por suas criações, mas a obra Corais ll possui para mim um significado todo especial. Enquanto a realizava, percebi que outras técnicas surgiam espontaneamente e se complementavam. Durante sua criação pude empregar mais fluidez, leveza, o que me fez perceber que posso criar com mais liberdade. Além do mais, trata-se de uma peça longilínea e esteticamente muito agradável de olhar.
(In)definição de arte
Fui perguntada recentemente sobre como poderia definir a arte. Essa é outra questão sem resposta. Acho que a arte não tem definição. No melhor dos cenários podemos dizer que arte seja algo ligado ao conceito de sensibilidade. A arte é um exercício sensível. No meu caso posso dizer que sempre me interessei pelo assunto e que sempre tive necessidade do contato com o belo e o harmônico. Sempre vivi esse chamado, movendo-me através desse impulso.
Peça: Flexão. Composição: redes de pesca tingidas e oxidadas naturalmente, arame galvanizado. Ano: 2019. Medidas: peça tridimensional com largura variável entre 30cm 20m. Altura de cerca de 3m.
Dentre as minhas inúmeras referências, sinto especial apreço pelo trabalho do pintor e escultor alemão Anselm Kiefer, por sua ousadia e diversidade de materiais empregados. Gosto muito também do trabalho da Claudia Flores Pereira, muito leve, colorido e espontâneo. Também gosto muito do trabalho da paraense Berna Reale, com forte viés político e sempre muito atual.
Continuo a pesquisar, experimentar e a aprender diariamente novas possibilidades dentro das artes visuais. Sei que essa é uma jornada repleta de desafios onde o caminho é construído na observação atenta do mundo ao redor e de meu mundo interior; com a fluidez da intuição e o meu nato respeito à natureza.
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